segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Milagre de natal




Plantei uma rosa em meu quinhão
no meu quintal
tinha até caramanchão
todo tecido
em goiabeiras, rouxinóis...
Não caberia em meu olhar
se eu não tivesse a prosa
se eu não tivesse a voz
rouca do mar.
Essa rosa,
filha da possibilidade
era o mistério da verdade
da verdade singular.
Ao atravessar
sabiás da imaginação
atravessava a construção
de um samba puro
e reteso de amor.
Era a criação e o criador
subindo nas alturas
sem precisar de elevador
e eu era um boêmio
que andava ocupado
bebendo todas
sem ligar pro ordenado
só ligava pro trinado
dos colibris
eu era um cafajeste
de estandarte e busto
em chafariz
vivia com as rosas perversas
dos cabarés
com os pobres-diabos
sem vintém
na consciência clara
de ser João Ninguém

...

O bonde arrastava
o meu último desejo
e Vila Isabel
tinha uma cadência
de choro suave
eu era uma ave
peregrina e constante
até chegar na Praça Sete
(quantos beijos dava nas vedetes...)
a Vila era a maquete
do meu sentimento
minha princesa libertária
o ápito da fábrica de tecidos
me embalava
e uma voz ordinária
me chamava
implorava
em me fazer recuperar
a sanidade e a memória:
a minha rosa ficou esquecida
pelos confins da aurora
nunca mais foi regada
pelo orvalho da madrugada
em meu jardim afora
me perdi na tragada
de um cigarro vagabundo
me perdi na escarrada
de um verso moribundo...

...

Então, Deus iluminou meu verso
e a minha rosa
assumiu um caráter
enfeitiçado
ela até descolou um babado
que era a roupa que faltava
pro meu verso que sonhava
um poema popular
-em feitio de oração-
essa rosa é filha da prosperidade
de uma febre em convulsão
da cantiga doce de sonhar
da Cidade-mulher
sobre um terreno-coração
qualquer.
Natal...
É como uma revelação
sem anjos tocando trombetas
porque não é juízo final
é a espera em comunhão
de um samba em contradição
ao ritual invasor
sem a porra toda do estrangeiro
é um natal bem brasileiro
com bastante cachaça e pagode
em celebração
ao nosso senhor
E a minha rosa
reluzindo pétalas divinais
foi, aos poucos, sendo tocada
por um estranho rapaz
um jovem camarada
que veio descendo
pela chaminé
(e eu não tinha bebido nada!)
foi sendo incorporado a ela
no incrível milagre dos deuses
está sacramentado
juro por tudo que é mais
sagrado em Vila Isabel
cheguei perto dele
perguntei seu nome
e ele me disse:
NOEL.

Vitor Pessoa

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

MLB

O couro comeu e foi à vera: varios canapés, sushis , sashimis, bebida à pamparra e ao som de `Ne me quite pas´ a galera da "ativa" ficou com a bunda nas brasa quando soube da TPM (tocado por mulheres)e saiu distribuindo Diazepam pra tentar prevenir a guerra mas o ambiente rolava cool, clima esotérico no ar, era campari e atitude, pufs, "sensuous wispher" no ouvidinho e a luz violeta dava o tom do mantra incansável e simpatizante.
Tudo rolando conforme o anúncio e a TPM já foi sacando as peças: cajón, bongo, pandeiros , guitarra folk. Tudo muito acústico pra ficar lounge ,tudo muito performático pra soar groove, tudo muito light pra ficar soft. Conforme a presença do Movimento Lado Brisagem (pra não dizer visagem )e do Música Leve Bruta (movimentinho filho da outra!) foi feita a discussão do Estaputo do Movimento com direito a maquiagem e cílios postiços , tudo como manda o fetiche, descontos de 50% no Sex shop , central de relacionamento, logística e painel de idéias pro jogo não morrer empatado.
Movimentos contrários e à favor hastearam bandeiras, descreveram estátísticas mas foi quase impossível chegar à conclusão: no lé com lé e no cré com cré,o tempero do molho quase desandou, foi um shopping center de bizarrisses e pombagirisses e quando chegou na apoteose, rolou o maior trelelê na via de mão dupla da discussão, afinal, o partido da oposição não arredou o pé da sua posição e a suruba foi cancelada por não oferecer estado de perigo, já que o samurai da espada-bamba levou um ipon e caiu de cara no tatame .
Bem, após divagações sobre poesia concreta, jece valadão, nouvelle vague e underground soul só faltava dar um toque retrô com pin-ups nem um pouco modernas e acordes futuristas fazendo a cama , uma voz sexy e grave entoava uma loa num sussurro fatal ao fundo, e, cheia de bloody mary na cuca , a acusada do evento elegeu a comissão de notáveis : teve madrinha , padrinho, acessoria de imprensa, editora, gravadora, artes plásticas e botox, diretor de palco, de proscênio , de camarim, personal trainner, o escambau. Tudo orquestrado por um arranjador(de confusão)e um empresário(de araque).
E todo mundo aderiu a causa mas o placar seguia incorruptível eis que pintou a Aretuza, garota escolada, vinda das oropa, ninfeta importada. Considerada por causa de sua dupla cidadania. Aretuza: que come e se lambuza, que bebe e não se abusa, que usa roupa made in Usa. Foi a maior porrada da diplomacia multilateral, invasões na faixa de gaza com direito a fio-terra provocando delírios e concessões...
Estava decretada a nova tendência, um novo conceito, influências tropicalistas e canibais, inspirações antropofágicas de orgias e carnavais. O negócio era ir no cartório e abrir bem a firma antes que o pessoal do Movimento Lábios Beiçudos e do Madames Líricas e Bombadas viesse pra botar mais lenha na fogueira na festa da Musica Liberal Brasileira.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

sala de reflexões


Na sala de aula

Lí em uma revista, totalmente alheia a nossa realidade, que está vindo da Inglaterra uma onda (que já veio há muito tempo!) de que ser inteligente na sala de aula está fora de moda, há um pensamento de que é brega bancar o inteligente onde os jovens se miram em exemplos de celebridades como o empresário Barão Sugar, milionário que costuma se vangloriar das notas baixas que alcançou na escola ou do não menos famoso David Beckham, que nas declarações, não dá a impressão de "explorar capacidades intelectuais particulares".Bem, não vou louvar aqui os alunos arrogantes, que desprezam os alunos "menos dotados", se é assim que eu possa definir, sei que há vários tipos de inteligência e cada ser tem a capacidade de explorar a sua, que revela nossos talentos e limitações, mas, em torno desse assunto podemos gerar várias discussões a respeito e uma coisa é certa:estamos caminhando na contramão da evolução natural do ser humano.Sempre aprendi com os mais velhos os valores da busca incessante do conhecimento, através dos livros ou não, aprendi o que é valorizar cada aprendizado e repartir aos que não tem acesso.Tenho muito orgulho de afirmar que no colégio eu era tido como CDF, por isso um pouco menosprezado pelos colegas "sociáveis", eu vinha de um bairro distante sem dinheiro pra "conduça", duro feito um coco só me restava transformar meu sacríficio em estudo e atenção na sala de aula.Hoje, meus colegas de classe devem estar sentindo os efeitos da perigosa distração e bagunça na sala de aula.
Vejo alguns ídolos da juventude brasileira também contribuindo pra essa triste realidade: a fulana que apareceu de vetido curto na faculdade e virou celebridade instantãnea, a Ex-bbb que apareceu nua em revista masculina e depois virou apresentadora de programa de auditório, o cicrano jogador de futebol que fatura milhões sem saber se expressar e acha que o mundo gira em torno dele e ter grana o faz um homem acima do bem e do mal, eu poderia listar aqui esses que se acham artistas que entraram na política, desde o Tiririca à mulher pera, maça, uva, sei lá, que equiparam-se em ignorãncia e desprezo à inteligencia humana.Mas não vou fazer isso, acho que está bem evidente onde eu quero chegar: Os jovens se inspiram nesses exemplos pra buscar um caminho,um atalho, onde se faz necessário o mínimo de esforços, permanecendo numa zona de conforto interminável, na ilusão de um estrelato sem brilho mas voluptuosamente agradável.É sempre bom lembrar do nosso sistema de ensino que facilita a formação do aluno ao invés de desafiar, de punir, de julgar quando necessário.Sendo assim o jovem perdeu a voz de questionamento, perdeu a avidez de conhecimento, falta opinião e rebeldia coesa para botar a boca no trombone em tudo que é imoral e corrupto.
Devemos louvar os estudos, participar mais, pesquisar mais, ir além do ensino convencional, explorar mais nossos professores, o governo prefere não investir em educação pro povo para se tirar um grande proveito disso: ter o domínio sobre ele.O conceito de inteligencia se faz, nos novos tempos, um princípio de personalidade amena, sem graça, fora da realidade, em resumo: fora de moda.Entretanto, é pesado na mesma balança e dá espaço ao pensamento raso e imediatista, que urge num imenso fast food de mediocridades e banalidades, frutos de um povo cada vez mais ignorante.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010




Senhores do deserto

Caros leitores,depois de passar por problemas funcionais,meu blog volta com a corda toda e vem com um enredo fascinante.Lí uma entrevista interessantíssima de Moussa Ag Assarid,um tuaregue que vive na França e passou maior parte de sua vida sobre as areias do deserto do Saara.Quando estive em Paris com meu grupo Quinteto em Branco e Preto e Beth Carvalho fazendo show no teatro de um museu conheci alguns tuaregues que estavam na platéia,me impressionou muito a vestimenta deles e o grau de intelectualidade e sabedoria,por isso resolvi compartilhar com vocês.Vejam só:

Não conheço minha idade:nasci no deserto do Saara,sem endereço nem documentos!Nasci num acampamento nômade entre Timbuctu e Gao,no norte do Mali.Fui pastor de camelos,cabras ,cordeiros e vacas que pertenciam ao meu pai.Hoje estudo administração na Universidade de Montpellier,no Sul da França.Estou solteiro.defendo os pastores tuaregues.sou muçulmano mas sem fanatismo.
QUE TURBANTE BONITO!
É apenas um tecido fino de algodão:permite cobrir o rosto no deserto quando a areia se levanta e ,ao mesmo tempo,você pode continuar vendo e respirando através dele.
SUA COR AZUL É BELÍSSIMA...
Essa é a razão pela qual chamam a nós ,tuaregues ,de homens azuis:o tecido aos poucos desbota e tinge nossa pele com tons azulados.
COMO VOCÊS PRODUZEM ESSE INTENSO AZUL ANIL?
Com uma planta chamada índigo,misturada a outros pigmentos naturais.o azul ,para os tuaregues,é a cor do mundo.
POR QUÊ?
É a cor dominante:a do céu,a do teto da nossa casa.
QUEM SÃO OS TUAREGUES?
Tuaregue significa "abandonado",porque somos um velho povo nômade do deserto,um povo orguloso:nos chamam Senhores do Deserto.Nossa etnia é a amazigh(berbere),e nosso alfabeto,o tifinagh.
QUANTO VOCÊS SÃO?
Ccerca de três milhões ,a maioria ainda nômades.mas a população vem diminuindo."é preciso que um povo desapareça para que percebamos que ele exista",denunciou certa vez um sábio.eu luto para preservar meu povo.
A QUE ELE SE DEDICA?
Ao pastoreio de rebanhos de camelos ,cabras ,coredeiros,vacas e asnos,num reino feito de infinito e silêncio.
O DESERTO É MESMO TÃO SILENCIOSO?
Quando se está sozinho naquele silencio ,ouvem-se as próprias batidas do coração.não existe melhor lugar para quem deseja encontarar a si mesmo.
QUE RECORDAÇÕES DA SUA INFÃNCIA NO DESERTO VOCÊ CONSERVA COM MAIOR NITIDEZ?
Acordo com o sol.perto de mim estão as cabras do meu pai.elas nos dão leite e carne,nós as conduzimos para onde existe água e grama.assim fizeram meu bisavô,meu pai e eu.no mundo não havia além diso,e eu era muito feliz assim.
BEM,ISSO NÃO PARECE MUITO ESTIMULANTE.
Mas é ,e muito.aos 7 anos de idade,já permitem que você se afaste do acampamento e descubra o mundo sozinho,e para iso lhe ensinam coisas importantes:a cheirar o ár,a escutar e ouvir,a aguçar a visão,a se orientar pelo sol e pelas estrelas.e a se deixar conduzir pelo camelo;se você se perde,ele lhe conduzirá até onde existe água.
ESSE É UM CONHECIMENTO MUITO VALIOSO,NÃO HÁ DÚVIDA.
Lá tudo é simples e profundo.Há poucas coisas no deserto,e cada uma delas possui grande valor.
ASSIM SENDO,ESTE MUNDO E AQUELE SÃO BEM DIFERENTES,NÃO É MESMO?
LÁ CADA PEQUENA COISA PROPORCIONA FELICIDADE.CADA ROÇaR É VALIOSO.SENTIMOS UMA ENORME ALEGRIA PELO SIMPLES FATO DE NOS TOCARMOS,DE ESTARMOS JUNTOS.LÁ NINGUEM SONHA COM CHEGAR A SER,PORQUE CADA UM JÁ É.
O QUE MAIS CHOCOU AO CHEGAR PELA PRIMEIRA VEZ NA EUROPA?

Ver a gente correr nos aeroportos.no desero,só corremos quando uma tempestade de areia se aproxima.fiquei assustado,é claro.

CORRIAM PARA BUSCAR SUAS BAGAGENS.
Sim,devia ser isso.também vi cartazes mostrando moças nuas: "por que essa falta de respeito para com a mulher?" ,perguntei-me.depois,no hotel íbis,vi uma torneira pela primeira vez em minha vida:vi a água correr e tive vontade de chorar.
QUE ABUNDANCIA
,QUE DESPERDÍCIO,NÃO É MESMO?
Até então,todos os dias da minha vida tinham sido dedicados a procura de água.até hoje,quando vejo as fontes e os chafarizes decorativos que existem aqui,sinto uma dor imensa dentro de mim.
POR QUE?
No começo dos anos 90 houve uma grande seca,os animais morreram,nós adoecemos.eu tinha uns doze anos e minha mãe morreu.Ela era tudo pra mim.contava-me histórias e ensinou-me a contá-las bem.Ensinou-me a ser eu mesmo.
O QUE ACONTECEU COM SUA FAMÍLA?
Convenci meu pai a me deixar frequentar a escola.todos os dias eu caminhava 15 quilômetrospara chegar até ela.Até que um professor arrumou uma cama para eu dormir,e uma senhora me dava comidaquando eu passava em frente á sua casa.Entendi:era minha mãe que me ajudava.
DE ONDE VEIO ESSA PAIXÃO PELOS ESTUDOS?
Dois anos antes,o Rali Paris-Dacar passou pelo nosso acampamento e caiu um livro da mochila de uma jornalista.Eu apanhei e devolvi a ela.mas ela me deu o livro de presente e disse que ele se chamava O Pequeno Príncipe.Naquele instante,prometi a mim mesmo que um dia seria capaz de lê-lo.
E VOCÊ CONSEGUIU?
Sim.foi assim que consegui uma bolsa para estudar na França.
UM TUAREGUE NA UNIVERSIDADE!
Do que mais tenho saudade é do leite de camela
e do fogo de madeira,de caminhar descalço sobre a areia tépida e das estrelas.lá ,nos as admiramos todas as noites,e cada estrela é diversa da outra,como cada cabra é diversa da outra.aqui,á noite vocês ficam vendo televisão.
NA SUA OPINIÃO,QUAL É A PIOR COISA QUE EXISTE AQUI?
A insatisfação.vocês tem tudo,mas nada é suficiente.vivem se queixando.na França,passam a vida se queixando.vocês se acorrentam por toda a vida a um banco por conta de um empréstimo,e existe essa ãnsia de possuir,essa correria ,essa pressa.no deserto não há engarrafamentos,sabe por quê?porque lá ninguem quer passar na frente de ninguém!
RELATE UM MOMENTO DE FELICIDADE INTENSA QUE VOCÊ VIVEU NO SEU DISTANTE DESERTO.
Esse momento se repete a cada dia,duas horasantes do pôr do sol:o calor diminui,o frio da noiteainda não chegou,homens e animais retornam lentamenteao acampamentoe seus perfis aparecem como recortes contra o céu que se tinge de rosa,azul,vermelho,amarelo,verde.
É FASCINANTE.E ENTÃO...
Esse é um momento mágico.entramos todos na tenda e fervemos a água para o chá.sentados,em sîlêncio,escutamos o barulho da água que ferve.A calma toma conta de nós.As batidas coração entram no mesmo compasso dos gluglus da fervura.
QUE PAZ...
Aqui,vocês tem o relógio;lá temos o tempo.
ENTREVISTA A VICTOR M. AMELA,JORNALISTA CATALÃO

Precisamos aprender com os Senhores do deserto,precisamos buscar nossa essência,esquecemos de nutrir o apego ás coisas simples da vida.a solidão também nos ensina a buscar Deus dentro de cada um de nós, são séculos de resistência pelo simples contato com a natureza,peço que todos refiltam sobre isso.